Conta-se em poucas palavras o final do III e último acto:
A heroína, iludida pelo vilão aldrabão, assiste ao
fuzilamento do amante julgando que se trata de um simulacro que jogará em favor
das suas pretensões românticas. Vendo-o tombar, nem pestaneja na ilusão de que
o amante está vivo e a fingir. “Ecco un’artista!”, - eis um artista! - diz, cem
por cento confiante na sua sorte e muitíssimo orgulhosa do jeito para a
representação exibido pelo amante.
Bem enganada estava no entanto. O homem jazia morto e não
havia volta a dar-lhe. È por causa destas reviravoltas inesperadas no enredo
que a ópera antiga italiana ainda hoje arrasta multidões tal como sucede com o
futebol moderno e pelas mesmíssimas razões.
Como árbitro Christian Fischer é muito mau. Foi-se ao Maxi
Pereira à cotovelada, depois acobardou-se e não expulsou, como devia, Javi
Garcia e Luisão. Abdicou da sua autoridade. Como artista, o árbitro é péssimo.
Com aquela queda para o exagero não conseguiu convencer ninguém de que estava
morto. Depois fez o que lhe competia no final da cena atribulada que lhe correu
tão desconchavadamente: uma saída de fininho, pelo seu pé, obviamente, com
juras de nunca mais voltar a pisar o palco.
O árbitro Fischer caiu mal, rezou a crítica sem deixar de
apontar a Luisão a culpa pelo sucedido. E cair mal pode estragar uma cena
inteira. Por exemplo, na tal ópera italiana antiga, lá para meio do III acto, a
heroína dá-se ao trabalho de ensaiar com o amante o modo como este deve tombar
fingindo-se de morto assim que a primeira descarga de pólvora seca se fizer
ouvir. “E cai bem!”, diz-lhe. É uma indicação cénica preciosa.
E eis como o imprevisto final da “Tosca” tanto me fez
lembrar o surpreendente final do Fortuna de Dusseldorf-Benfica.
*
O presidente do Fortuna de Dusseldorf exige que o Benfica
devolva o dinheiro do “cachet” cobrado por 39 minutos de jogo tendo em conta
que os jogos têm 90 minutos e foi para isso mesmo que o público pagou bilhete.
O árbitro diz que não voltou ao jogo porque ninguém do
Benfica lhe pediu desculpa, nem nos balneários, depois do incidente com Luisão
que descreve desta maneira: “foi como se tivesse batido contra uma parede.”
Se tivesse dito o contrário: que tinha sido como se uma
parede tivesse batido nele, seria bem pior para a imagem de Luisão e do
Benfica.
Luisão (ou “a parede”, como preferirem) já não é uma
criança, é um jogador experimentado, internacional brasileiro, deve saber, com
certeza, que os jogadores não podem tocar no árbitro nem como uma flor. Foi imprevidente
e singularmente apatetada a maneira como correu para abordar o árbitro depois
do lance que ditaria a expulsão inevitável de Javi Garcia.
Se o quebranto dramático do árbitro Fischer foi ridículo,
não foi, no entanto, suficientemente patético para absolver a “parede” nem,
muito menos, para atenuar a mediocridade, essa sim, flagrante, da reacção
oficial do Benfica ao caso tratado como simples brincadeira logo ali no
relvado, no meio de uma risota que revela, de forma espampanante, uma total
inconsciência geral e, pior ainda, o menosprezo por uma situação que vai ser
cobrada ao Benfica por muito tempo e à má fila.
Quando o árbitro recolheu ao camarim, as câmaras
demoraram-se a focar o banco do Benfica e alguns jogadores avulso e pode-se
dizer, com toda a justiça, que mais pareciam um grupo juvenil de estudantes em
férias da Páscoa a gozar o pratinho de uma pequena delinquência cometida numa
excursão ao estrangeiro.
E é precisamente isto que é inacreditável no caso Luisão, A
Parede: a deprimente ausência de um dirigente do Benfica e à Benfica que fosse
mais rápido a compreender o alcance da situação do que o árbitro Fischer a
atirar-se para o chão.
Um dirigente do Benfica e à Benfica teria sabido assumir o
erro do seu jogador mas não teria deixado passar em claro o não menos inusitado
e despropositado encosto do árbitro Fischer a Maxi Pereira, segundos antes do
peito-a-peito Luisão-Fischer.
Não vejam nisto um remoque a António Carraça porque não é.
Carraça lá terá as suas funções, certamente importantes junto
da equipa de futebol, o que se respeita. É um simples funcionário do clube onde
não nasceu.
Mas não tem a dimensão de grandes dirigentes e de grandes
benfiquistas que se sentaram no banco com a equipa de futebol, não sabe, não
faz a mínima ideia de como é que se resolve um problema deste no minuto em que
acontece de modo a prevenir futuros aborrecimentos ao Benfica que é quem está
em causa, muito mais do que o Luisão ou o árbitro apalhaçado.
Comecemos pela questão financeira, que devia ter saltado logo
aos olhos: se o clube se acha no direito de não devolver o “cachet” então a
equipa do Benfica não podia ter abandonado o campo de jogo tão alegremente.
Poderia sair o árbitro, poderia recolher ao balneário a
equipa adversária, mas a equipa do Benfica deveria ter ficado em campo à espera
do reatamento do jogo particular para que foi contratada.
E ficando, na pior das hipóteses, sozinha a equipa em campo,
sem árbitro e sem adversário, dificilmente poderiam vir os alemães exigir ao
Benfica compensações financeiras pelo fim prematuro do jogo que foi abandonado
pelas duas outras partes. Feito o mal, que bem ficaria o Benfica em campo,
sujeitando-se a disputar o resto do jogo só com 9 jogadores, assumindo de caras
os comportamentos irregulares de Javi Garcia e de Luisão, afastados do jogo
pela justiça interna do clube que é um dos maiores do mundo e não recebe lições
de moral nem de delinquentes nacionais nem de estrangeiros.
O pedido de desculpa ao árbitro seria também fundamental.
Era só esperar que ele abrisse um olho, o que nem tardou muito.
A gestão do episódio nos balneários é desconhecida do grande
público e, provavelmente, nem existiu. E em que língua terá ocorrido, se
ocorreu, constitui também grande dúvida.
O silêncio oficial e oficioso sobre tudo isto nas primeiras
24 horas consentiu, por desleixo, no crescimento de um monstrozinho.
Há quem lamente, neste arranque de época, a falta que faz ao
Benfica um defesa-esquerdo ou um jogador de vai-vem à semelhança do fabuloso
Ramires ou mesmo a falta de um goleador menos monocórdico do que Cardozo. Mas o
que ficou à vista de todos na jornada triste de Dusseldorf foi outro género em
falta: Benfica e senso político.
O Benfica sofre de défice de… Benfica. Que pena.
*
Mais um caso flagrante de falta de Benfica e de senso
político no Benfica. Bem mais triste do que o episódio de Dusseldorf é o
episódio de Maputo, menos ventilado nos jornais e ainda bem porque é coisa que
envergonha os benfiquistas.
O FC Porto anunciou uma parceria com a Academia Mário Coluna
e, de acordo com a notícia de “A Bola”, passará a ter “preferência sobre os
jogadores formados naquele projecto liderado pelo antigo capitão do Benfica”.
É caso para perguntar: onde é que anda o Benfica?
Será que acabou?
Mas a academia é LIDERADA pelo antigo capitão do Benfica ou HONRA com o nome adoptado o antigo capitão do Benfica?!
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